sexta-feira, 13 de abril de 2012

MARCOS PRADO – PARAÍSOS ARTIFICIAIS


Por Pedro Paulo Rosa
Foto: Ravini Padilha
Revisão textual: Paulo Cappelli


Conhecido por seus trabalhos inovadores, o diretor Marcos Prado fala ao O HÉLIO. Dia 4 de maio, seu novo longa-metragem chega ao cinema. Nessa também longa conversa, Marcos abriu o verbo para nos contar sobre o inicio de sua carreira profissional como fotógrafo e relembrou importantes fases com seus trabalhos “Os Caroveiros”, “Estamira” e a produção do filme “Tropa de Elite”. Ele também revela como foi o surgimento de sua produtora, ZAZEN, na qual é sócio de José Padilha.
O HÉLIO – Do que trata o seu atual longa-metragem?
MARCOS PRADO – É um drama de amor que tem a ver com um triângulo amoroso. É muito específico porque se passa em três tempos diferentes. O filme é dado aos poucos, vai para frente e para trás. O momento passado é numa festa rave e o presente, em Amsterdã - onde o casal, os protagonistas (os atores Natália Dill e Luca Bianchi) se encontram e se apaixonam. Ela, nesse momento presente, descobre que já tinha tido contato com esse cara. Acaba se apaixonando por ele. Quando você volta ao passado, entende da onde vem o triângulo entre o personagem da Lívia, melhor amiga da protagonista, da Natália e do Luca.

O.H.: E as drogas são o pano de fundo?
MP.: Sim. O que leva o filme é a construção dessa história de amor. É o destino levando esse reencontro dos protagonistas no tempo presente e você entendendo como tudo aconteceu.

O.H.: Ainda sobre o seu atual trabalho, “Paraísos Artificiais”, qual o seu posicionamento com relação às drogas ilícitas?

MP.: É muito delicado falar “sou contra”. Não posso fazer apologia porque não sou totalmente a favor da legalização de todas as drogas. Mas, se você legaliza, diminui o índice de criminalidade; mas, cria um problema de saúde pública gravíssimo. Vai ser vendido crack na farmácia? Por outro lado, quem nunca fumou maconha? Estava vendo uma pesquisa que indica que 51% dos universitários já experimentaram alguma droga ilegal. Porque se legaliza apenas o tabaco? Então, são perguntas que ficam aí no ar. E o álcool? Sou contra certos tipos de droga. Agora, por que não deixar experimentar maconha? Os argentinos já fizeram isso. Ficaram na nossa frente! (RISOS) E eles têm o Messi! Fiz um filme que é em cima do muro. Pesquisei muito, sabe, fui à várias raves, a várias clinicas de reabilitação. Vi muitos jovens viciados sofrendo de síndrome do pânico, depressão.

O.H.: Que tipo de jovem consome?

MP: Acho que tem uma fase na sua vida em que você usa mais drogas. De 16 aos vinte e poucos anos. Você é mais rebelde ideologicamente e politicamente. É uma fase perigosa da vida. Jovens de classe média geralmente usam as drogas sintéticas. Acho que, nas favelas, atualmente, o consumo maior é a cocaína mesmo. O trabalhador pode chegar da labuta e cheirar o seu pacote de 3, de 10. É um problema sério. Ou, esse mesmo trabalhador bebe, sei lá, cinco garrafas de cerveja toda noite mais duas doses de pinga. Quero mostrar no filme “Paraísos Artificiais” uma maneira de lidar com esse assunto delicado, mas falar com o público. As festas raves de Londrina, por exemplo, foram proibidas. Mas, continuam ocorrendo bastantes festas desse tipo pelos interiores de todas as regiões do país. E a juventude do interior sempre exagerou nas drogas. Não sei se é a falta de cultura, se é a monotonia do cotidiano, a falta de informação. As pessoas acabam se escondendo numa cúpula recreativa. Então, quero mostrar no filme uma história de amor com o pano de fundo das drogas. E a música eletrônica pode fazer paralelo com tudo. É um tipo de música que toca nos rodeios, nas boates, nos carnavais.

O.H.: De alguma maneira, você toca no vazio das pessoas.

MP.: Com certeza, Pedro. Existe uma necessidade das pessoas saírem dos seus cotidianos frustrantes. Acredito que apenas 1% das pessoas trabalha naquilo que gostam. A sociedade competitiva que a gente vive hoje é muito cruel. É um número pequeno de pessoas que querem arriscar. Os jovens de hoje em dia podem chegar aos 120 anos! Mas, você vive num mundo com mais de 100 profissões que pode escolher. E quando pode escolher, também gera buraco de insegurança muito grande. Causa uma saída tardia de casa. O jovem corta o vínculo com os pais aos 25, 28 anos de idade. Mas, porra, o mundo está esquentando! A frustração da corrupção continua! O planeta X vai acabar com a Terra em 2012! E aí, esse jovem faz o que? Vive sensorialmente o presente. E as drogas caem perfeitas para uma demanda sensorial. Se você olhar o princípio ativo da anfetamina, vai notar o apelo ao sensorial. Mas, o jovem está nisso tudo e sem nenhum grito de ideologia. Ninguém se encaixa mais em grandes grupos. Tudo agora é nicho. Tem lá a banda depressiva, o menino com balão na mão; tem lá os listradinhos cinéfilozinhos, entende, Pedro? Porra! Não tem uma ideologia de valores, nada a ser rompido a não ser a sua sobrevivência. O jovem hoje está em nichos. Clubinhos. E essas drogas prolongam o presente.

O.H.: Ao mesmo tempo, Marcos, não te sinto pessimista.

MP.: Jamais! Não acho que essa geração esteja perdida. Os jovens buscam cada vez mais o autoconhecimento, por exemplo. Um amigo sociólogo fala que a busca de identidades e a produtividade criativa é, hoje, muito mais pulsante do que antes. Por mais que, atualmente, se saiba 10% de várias coisas do mundo. É a tal viciante “informação”.  Então, os relacionamentos serão reinventados. Está tudo sendo reelaborado. As famílias podem ser de dois ou três casais, quem sabe? Essa juventude trabalha de segunda a sexta, se enfia nas drogas sintéticas no final de semana, vai para o fundo do poço e dorme no domingo. Segunda, estão no seu trabalho. Seja ele qual for.

O.H.: E o jovem pobre, Marcos? Como ele escolhe cinema?

MP.: Acho que esse jovem tem que ser muito mais corajoso do que o jovem de Ipanema ou Leblon ou aqui do Jardim Botânico que ficam na asinha da mãe até terminar os estudos. Para um garoto pobre, certamente, a garra tem que ser maior. Sabe, Pedro, tem que existir o acesso a cultura. Apresentamos o Tropa de Elite em vários cinemas gratuitos, cineclubes, cinemas a um real. A classe C está indo mais ao cinema e a gente precisa criar massa crítica.

O.H.: No caso do “Paraísos Artificiais”, foi complicado captar recursos para um filme que, querendo ou não, aprofunda o foco na questão das drogas e das raves?

MP.: Putz, foi um processo super difícil. Muita gente se opôs. Mas, sempre mostramos que antes de qualquer coisa, é uma história de amor contada em dois tempos diferentes! E é um filme sem mensagem moralizante. O que tem são consequências naturais. Nem todo mau se fode, nem todo bonzinho vive na glória. É um filme ousado, charmoso. Tem cenas de sexo a dois, a três. Cenas do garoto usando a sua primeira balinha. É um filme meio para voyeurs. Muita gente que vai assistir, ainda não viveu nada daquilo. Como é transar com duas ou três pessoas? É um filme sensorial mesmo, sinestésico. A história é dada a conta gotas. E outra, o roteiro é um guia, é um orientador. Claro, tem cenas que são chaves. Tiveram cenas que deixei meus atores à vontade ao máximo que pude. Graças a Deus, são atores muito bons. E viveram experiências próprias. É um filme também com pouco diálogo. Será lançado dia 4 de maio Filmamos no Rio, Recife, Alagoas e Amsterdã (Holanda).   

Pedro Paulo Rosa entrevistando para O HÉLIO na produtora ZAZEN, no Jardim Botânico, Rio de Janeiro


O.H.: Uma das coisas mais interessantes que acho na sua carreira é a diversidade. Você já falou de muita coisa. No seu livro, “Os Carvoeiros”, por exemplo, você trouxe à luz o exercício subhumano dos homens que extraem carvão ainda no século XXI. O documentário “Estamira” é uma outra coisa. Acho que a gente pode falar disso também. Você produziu “Tropa de Elite”, que tem uma outra levada e outra temática. Agora, está com “Paraísos Artificiais”. Então, é muito multifacetado o seu trabalho. Quero saber como é a escolha do Marcos Prado antes de realizar qualquer trabalho artístico.

MP.: É...meu trabalho de documentarista era todo voltado para problemas sociais, ecológicos. Principalmente no caso dos carvoeiros e no caso do Tibete. Fui até lá, fiz três viagens e montei o Free Tibet, para registrar aquele genocídio cultural quando ninguém ainda falava disso. E resultou numa exposição no MAM (Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro).  Nada foi racionalmente pensado. Isso nunca aconteceu na minha vida. Até temia pelo próximo projeto. Caralho, e agora? (RISOS) Vivia momentos de angústia profunda; os temas foram aparecendo na minha vida, trazidos pelo acaso. Quando decidi virar fotógrafo fazia economia, mas abandonei no último período. Logo me entreguei à fotografia. Não queria trabalhar com moda de jeito nenhum, mas tive de sobreviver e fiz muito catálogo. Queria ser fotógrafo da National Geographic para descobrir o mundo! Tinha essa vontade intensa dos jovens. Ainda mais naquele tempo, em que ainda havia lugares ermos, isolados. Hoje, são poucos os lugares que os seres humanos não tenham invadido, destruído e domado. Trabalhei  em freelas na revista Trip por muito tempo; e na minha primeira reportagem, “Surfista Ferroviário”, ganhei vários prêmios com as fotos. Quando vim para o Brasil para trabalhar, comecei a buscar temas. Porque o foto-documentarista precisa contar uma história. Acabei indo parar no Oriente. Antes das Torres Gêmeas explodindo, o Oriente era muito diferente. Então, fiz um mochilão para lá passando pela Tailândia, Indonésia e parei no Tibete. Eu e minhas câmeras. Fiz a melhor viagem. Explorei por mim mesmo, sem precisar da National. Foi uma experiência incrível. Não tinha um foco específico, só conhecer os lugares. Não sabia o que encontraria no Tibete. Cheguei lá e fiquei impressionado. Abracei a causa tibetana durante muitos anos da minha vida. O Tibete fechou em 1989 e abriu só em 1992. Em 1991, comecei o meu trabalho com “Os Carvoeiros”. Vi muita criança brasileira trabalhando no interior de Goiás. Acabei viajando o centro oeste inteiro e percebi que todos estavam trabalhando com carvão para as indústrias siderúrgicas brasileiras. Coincidiu da ECO 92 ser no ano seguinte, e minha exposição se tornou evento oficial. Ganhei o premio da ONU de fotografia e o principal prêmio de foto jornalismo do mundo, que é o holandês World Press Photo. Aquilo me deu um gás enorme. Pensei, “po, agora vou viver disso”. Quis voltar para o Tibete em 1993. E fui. Já que não podia fazer muitas fotos sobre a questão política, porque seria eliminado pelos chineses, resolvi fotografar ruínas e o povo tibetano, a sua cultura, as suas peculiaridades. Em 1997, encontrei o Dalai Lama, levei todo o meu material. Me perguntava: por que estou fazendo isso? Algo me ligava àquela cultura.

O.H.: Então, a profissão de fotógrafo estava te preenchendo?

MP.: Sim e não. Acabava meio frustrado porque minhas exposições como fotógrafo acabavam sempre indo parar em museus ou numa revista ou outra. Não era de interesse de ninguém. Quem vai ao museu no Brasil? Fotógrafos ou interessados. E o mundo virou audiovisual. Nessa época, comecei a me desiludir. Queria expor era no metrô, na televisão!  Queria mostrar temas importantes que ninguém conseguia entender, mas não atingia o grande público. E o Zé Padilha tinha trabalhado com catálogo numa empresa junto com o pai dele, mas o Plano Collor acabou com a empresa. Até que ele chegou para mim e disse que gostaria de fazer um documentário sobre “Os Carvoeiros”. Nisso, estava terminando o preparo do meu livro junto com um pesquisador amigo meu, Pedro Nabuco. Já estávamos nisso há sete anos. Tínhamos bastante material. E tentamos levantar dinheiro, juntamos forças e contratamos um gringo bastante experiente. Nos afinizamos com o estilo do tema e do acaso aparecerem juntos, com personagens surgindo e a figura do diretor não aparecendo. Acabou que, nesse caso, acabei fazendo quase todas as entrevistas do filme e foi bacana porque já conhecia todo histórico dos carvoeiros, suas tradições familiares. Uma grande parte de Minas Gerais se acabou com exploração abusiva do carvão.

Diretor Marcos Prado


O.H.: Aí, você percebeu que estava entrando no cinema.

MP.: Porra, foi isso! Acabei fazendo um monte de fotografia durante o processo do filme. Sabe como é cinema, o dinheiro pode acabar no meio do caminho. Daí, voltamos com o documentário e acabamos indo pra tudo o quanto é canto, indo parar em Carajás. O Governo brasileiro, depois dos prêmios todos, acabou se manifestando. O Gabeira abraçou a causa, isso foi parar no Congresso. Enfim, incomodamos. Começamos a trabalhar juntos, eu e o Padilha. Pensamos: vamos montar uma produtora de documentários. Ficamos sócios meio a meio e começamos com a Zazen. O nome é um estado pré-iluminação do Zen Budismo. Logo depois, o filme “Os Carvoeiros” foi para o Sundance, depois fizemos um pitching em Amsterdã. A National Geographic gostou, colocou mais uma grana. Com isso, embarcamos em nosso próximo projeto, “Os Pantaneiros”. Focamos a cultura pantaneira, que estava sendo destruída pela política agropecuária da divisão das terras em pastos. Uma das nossas características é pesquisar muito, é ter respeito ao que é histórico de todas as coisas. Compramos Abílio de Barros para fazermos esse segundo trabalho. Enfim, foi sensacional porque aprendemos muito com as porradas do mercado.

O.H.: A produtora Zazen tem anos e anos de experiência no mercado audiovisual. Como é que você avalia a ascendência ou decadência – como quiser enxergar – do cinema brasileiro? Querendo ou não, você marca opiniões.

MP.: Acho que o cinema brasileiro está num momento de expansão de linguagem cinematográfica. O documentário brasileiro cresceu antes da ficção.

O.H.: Por quê?

MP.: Ah... a gente vive num país com muita desigualdade. E o cinema reflete muito a cultura do país. Muitos documentários fortes, desde a retomada do cinema, refletem isso. E vários documentários tiveram mais respaldo de cinema do que a própria cinematografia ficcional. Acho que o documentário brasileiro, principalmente no início dos anos 90, veio com uma chuva criativa muito forte. O saldo é positivo.

O.H.: Qual foi a sua motivação para o “Estamira”?

MP.: Pedro, (RISOS) estava em casa tomando um yogurte. Raspei até o final e fui jogar no lixo. Pensei: caralho, lá nos Estados Unidos, a gente separa o lixo todo bonitinho, chega aqui no Brasil, a gente mistura tudo. Já tinha visto umas fotos do Sebastião Salgado no Gramacho. Pensei logo em ligar para Comlurb. Atendeu um sujeito maravilhoso. Falei para ele que era um fotógrafo e que queria conhecer o lixão. (RISOS) Ele me disse que conhecia meu trabalho nos “Carvoeiros” e que no dia seguinte um carro me pegaria. Eles me abriram as portas de uma maneira que não esperava. Depois da ECO 92, foi dito que o lixão seria transformado em aterro e até o momento, nada. Quando cheguei lá, os traficantes tinham fechado tudo, estava caindo um temporal. Depois, consegui entrar e presenciei uma diversidade: lixo, criança, velho. Cara, vibrou dentro de mim. Fudeu! O ensaio me achou. Aí começou, fotografei, fotografei. Achei gente muito orgulhosa de trabalhar no lixo. Gente que sustentava família, pagava escola para filho. Também encontrei moradores dizendo que aquilo era uma degradação humana.

O.H.: Quer dizer, lá é uma espécie de universo paralelo?

MP.: Sim. Tinham prostitutas, as pessoas cheiravam muito tarde e noite. E de noite aquilo virava a lei do mais forte. E tinham pessoas que moravam ali porque não tinham grana para a passagem. Eu não havia feito portrait de ninguém, até porque era um local muito inóspito. É difícil se ambientar naquele ambiente. É bom lembrar aqui, o carvão entrou na minha vida junto com o lixão. Isso mais ou menos em 1991. Fazia um pouco de um projeto e depois ia para o outro. Aí, em 1997, fiquei sócio do Padilha como falei e em 2000 encontrei Dona Estamira. Falei, caralho cara! Essa mulher não sai da minha cabeça! Mas, não tinha dinheiro. Fui chamando gente. Juntei três pessoas, começamos a filmá-la. Eu sentei do lado dela, ela me explicou lá toda a cosmologia dela rabiscando num papel. Disse que morava num castelo e tudo o mais. Decidi filmar essa senhora. Pedro, nunca achei nem acho que ela tenha algum distúrbio mental. Acho que ela recebia alguma entidade ou qualquer coisa. O fato foi que não consegui esquecê-la. Dona Estamira foi apedrejada no lixão, foi parar numa clínica de saúde para curar as feridas. Aí, o doutor indicou para que ela fosse ao centro social em Campo Grande (Rio de Janeiro). Nesse centro, ela começou a tomar remédios fortíssimos. Quando cheguei lá no Jardim Gramacho (lixão em Duque de Caxias, RJ) e me disseram que ela estava descansando em casa, fui até lá. Era uma área periférica de Campo Grande, lugar cheio de traficante. Os caras liberaram, entramos super com medo. Bati palmas, ela mandou entrar me dizendo: “Tarda, mas não falha”. Disse para ela que não a tirava da cabeça e ali propus de filmar a sua vida. Ela me olhou e disse que estava esperando por isso a vida inteira. Porra, aí Pedro, foi uma coisa atrás da outra!

O.H.: Você se alimentou lá?

MP.: Tive que comer...(RISOS) Não fraquejei hora nenhuma. Filmava o cotidiano daquela senhora sem querer me envolver pessoalmente, embora aficionado e emocionado com tudo o que ela era. Amando-a de todas as maneiras. Venerando Estamira, a profetisa; a Zaratustra moderna.

Pedro Paulo Rosa e Marcos Prado


O.H.: Naqueles momentos em que Estamira brigava com os familiares e amigos, como você reagia?

MP.: Totalmente desconfortável. Na briga dela com o neto, por exemplo, foi no terceiro ano de trabalho, então, já estava acostumado. Tentando não interferir, pisando em ovos. Sentíamos no feeling a hora de ligar e desligar a câmera.

O.H.: Se você pudesse repensar e refletir sobre a linguagem que você e Padilha desenvolveram nos documentários, de que maneira seria essa reflexão?

MP.:   Todos os nossos documentários foram feitos pelo mesmo formato que nos doutrinou. Sempre fizemos documentários tentando não interferir demais narrativamente. Principalmente no caso de “Estamira”. Não fazemos estilo clássico francês e também não fazemos sem nunca aparecer nem perguntar nada. Entrei na ilha com o meu montador e foram 12 meses de edição para nascer “Estamira”. Quis respeitar a cronologia, o inicio do tratamento dela. É muito importante mostrar que é possível conviver com uma pessoa com distúrbios. Na verdade, acho Estamira extremamente lúcida. Cheguei a uma conclusão, Pedro: os distúrbios de Estamira, a sua cosmologia; os “espertos ao contrário”, “o controle remoto”, aquilo tudo era a lucidez dela.  Era a dimensão de si própria. O lixo estava aqui fora. Ela tinha uma ética pura, quase budista de valores. A loucura dela era a capacidade que ela tinha em se preocupar com os filhos e os netos. Poxa, no passado, ela sofreu dramas amorosos, foi obrigada a internar a mãe num sanatório. Enfim, respeito a cronologia de Estamira e recorro aos seus filhos para darem um sentido de concretude. Pois Dona Estamira nos conta tudo por meio de metáforas sensíveis. E Pedro, ninguém acreditava no projeto! Me chamavam de louco por estar filmando uma senhora do lixão de Gramacho. E é um documentário para poucos mesmo. Embora tenha ganhado mais de 30 prêmios nacionais e internacionais. É um documentário longo, lento.

O.H.: Quem são esses poucos para os quais “Estamira” se direciona?

MP.: Acho que...(RISOS) para os atores. Muita gente acha que ela atuava. Talvez exagerasse. Bem, se ela atuava, ela é a melhor atriz que o Brasil já teve. Ela era simplesmente o momento presente. A fluidez e a inteligência dela no seu vocabulário e na narrativa eram impressionantes.

O.H.: E aí, lá na frente, veio o Tropa de Elite. Você se surpreendeu com a repercussão?

MP.: Então, depois que o Padilha estourou com o filme “Última Parada 174’’ , quis aprofundar nessa questão da violência pública no Rio de Janeiro. Conversamos muito e chegamos à conclusão de que precisávamos fazer uma ficção. Fomos pra guerra! Porque é tudo mais caro e complicado na ficção. Os estudantes da PUC acusavam, os jornalistas, os bandidos. Cada setor dava seu grito. Foi uma puta discussão sensacional. Fizemos o Brasil discutir. Aliás, todos os filmes têm uma carga sociológica muito forte.

O.H.: Como vocês lidaram com a questão da pirataria no primeiro Tropa de Elite?

MP.: Porra, ficamos muito frustrados. Perdemos grana mesmo. Pegamos empréstimo. No começo, foi chocante. Ficamos fodidos. Nós pegamos quem foi que fez aquela sacanagem toda. Agora, no Tropa II, viemos mais maduro em tudo. Na técnica, no enredo. Em tudo. O II é menos thriller que o primeiro.

O.H.: Como você lidou com alguns sociólogos e outros setores da sociedade batendo em vocês?

MP.: Olha (RISOS), muita gente bateu e muita gente defendeu. Como é que um cineasta não pode fazer a visão de um policial do BOPE que mata e tortura? Como é que isso não pode ser interpretado nas telas? Ridículo nos acusarem. O que fizemos foi observar com os olhos de um policial do BOPE. Sem generalizar, é claro! Esse filme mexeu tanto nas estruturas que muita gente panfletou a favor e contra ele. Tem a classe média que é conivente. E é mesmo. Porra, se você sobe no morro ou paga alguém pra subir e comprar droga, você é conivente com essa merda! Simples e prático assim. Po, por que não planta!? (RISOS). E outra, depois que você faz o filme, ele é do público. Falem mal ou bem, mas falem. 

O.H.: O que você diz para os alunos que enchem as turmas da UFF, da PUC, da Darcy Ribeiro e de tantas outras instituições que entendem cinema como ensino/formação?

MP.: Para que eles estudem fotografia, para que eles sejam flexíveis e aprofundados. Lendo muito, estudando dramaturgia. Cinema tem que ser 80% contado em silêncio. Você tem que tampar os ouvidos, sem ouvir o diálogo e conseguir entender o filme. Senão, vira teatro. Se for tudo falado, escreve livro e faz teatro que é melhor. E outra coisa: tentar manter afastamentos. Sem ficar sendo intelectualóide. Sem ter tantos ídolos. Criando suas referências. Sendo cauteloso à política dos prêmios, para não se esquecer do seu real tamanho. Você, jovem, sabe exatamente do que estou falando, tem muita gente assim! (RISOS).

O.H.: E qual será seu próximo tema?

MP.: (RISOS) Ele já apareceu, graças a Deus! Vou falar sobre gangues de futebol. O problema de torcedores que se matam e colocam uma coisa de paixão e amor, quando, na verdade, há algo sociológico ainda obscuro nisso tudo. Já tem roteiro e planos para rodar. Só existe uma maneira de fazer filme sobre torcidas sem causar violência: fazendo sobre o mesmo time, a Raça contra a Jovem. Ambas matam há 40 anos. E sou flamenguista doente! (RISOS) Será ficção. Ouvi uma vez de um cineasta e nunca esqueço: “só a ficção pode te tocar lá no fundo da sua alma”. Achei bonito. Na ficção, você consegue se tornar personagem do filme. No documentário, isso é quase impossível. Pedro, cinema pode ser entretenimento, mas é ainda mais gostoso quando é de bom gosto e quando propõe a criação de massa crítica. O mundo é cruel. Só esqueceram de falar isso pra gente desde pequenininho. Tem que ser dito antes: você pode ser feliz, mas tem que correr atrás.

Marcos Prado












 





2 comentários:

  1. pedro voce está cada vez mais sensível,profundo...seu blog já virou "nosso",rsrsrs, impossível ficar de fora e não beber desta farta fonte de reflexão social e artística.Parabéns!!!!

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