quarta-feira, 20 de abril de 2011

O LEGÍTIMO É PARA SEMPRE

Por Pedro Paulo Rosa
Foto: Lucas Conrado
Revisão Textual: Paulo Cappelli



Natara ganhou o último Festival do Rio com o seu curta " Um outro Ensaio"


O cinema estava marcado na vida de Natara Ney, montadora reconhecida por sua pluralidade inovadora e persistência. Com muita lucidez e brilho nos olhos, a profissional de cinema fala sobre a importância de conhecer as diversas áreas da profissão.
Estar aberto para diferentes funções se torna indispensável para uma coesão interna da carreira. Envolvida em várias produções, ela ressalta novos trabalhos, inclusive o seu curta-metragem “Um outro ensaio”, exibido no Festival de Guadalajara.
A montadora do belo filme “A Máquina” (Direção de João Falcão) e ganhadora do kikito de ouro (filme “Carreiras”, direção de Domingos de Oliveira) emite pensamentos fortes, reflexivos e comprometidos com o engajamento do profissional da sétima arte, além de frisar a necessidade de ser humilde e aprender com outros profissionais fazendo assistência por exemplo
Natara nos recebe em sua produtora carioca, Arrudeia Filmes, para esta entrevista.

O Hélio: Como o cinema entrou na sua vida? Como que você entrou nesta estrada? Ele que te escolheu ou foi você?

Natara Ney: Na verdade, o cinema não foi minha primeira escolha. Eu sou de Recife, né...em 1986 entrei na faculdade, e o curso de cinema não existia, e não se fazia longas metragem em Recife. Tinha o Cláudio Assis, Lírio e Paulo fazendo uns curtas, mas não tinha, por exemplo, moviolas para montarmos esses filmes, não tinha laboratório ou equipamentos para estudarmos. Eu entrei na faculdade para fazer jornalismo. Meu primeiro estágio foi na TV Pernambuco. E todo mundo queria ser repórter de rua ou apresentador. Eu não me via fazendo essas coisas. Eu preferia escrever, ficar por trás das câmeras. Mas, eu achava que a TV seria um meio interessante de aprender mais coisas sobre jornalismo. Eu acho interessante essa coisa de fazer a informação chegar rápida ao espectador acho emocionante a adrenalina no jornalismo diário, ao vivo sem margem para erros, sem poder refazer . Quando eu entrei lá na TV, a primeira coisa que eu vi foi uma ilha de edição. Daí eu perguntei o que era feito ali, e me disseram: aqui se editam as matérias que vão ao ar no jornal. Daí eu falei comigo: então é isso aqui que eu quero fazer.


O.H: Te veio isso de cara, assim? Esse insight veio na hora?

Natara: Foi, foi de cara. Comecei na edição e não parei mais. No inicio, editava as matérias de jornalismo assim que elas chegavam da rua. E foi uma coisa que eu fui gostando de desenvolver, de ver que eu poderia contar uma mesma história de várias formas. Nesse mesmo período, a TV Pernambuco passou por algumas reformas, que foi quando Miguel Arraes assumiu. Reforma que trouxe o Lírio Ferreira e o Paulo Caldas para fazerem coisas novas para a TV. E esses dois começaram a me mostrar novos horizontes. A gente começou a editar um programa que era sobre curta-metragem e eu fui vendo o que as pessoas estavam fazendo de cinema fora de Pernambuco, fui conhecendo outras formas de narrativa.

O.H: E nessa coisa de estágio, você foi ficando, né?...

Natara: Fui ficando. Depois, comecei a fazer umas coisas para a TV Viva, que eram minidocumentários feitos para serem exibidos nas praças. Era quase cinema!. Você preparava a peça e via a repercussão na comunidade. Eu fiquei encantada com aquilo

“O que eu vejo é que as pessoas saem da faculdade muito despreparadas”.

O.H: Muito legal!

Natara: A TV Viva tinha e ainda mantém um trabalho com a comunidade muito interessante.



O.H: Você acha difícil se profissionalizar em cinema? Acha utópica essa coisa da faculdade? Porque a gente vê um crescimento muito forte dos jovens querendo fazer cinema.

Natara: Eu acho que a faculdade é uma ferramenta boa, porque ela faz você encontrar com pessoas que têm propostas semelhantes com as suas. O que eu vejo é que as pessoas saem da faculdade muito despreparadas. Os laboratórios são muito fracos. Eu peguei muitos estagiários aqui egressos de faculdades e vi que eles não sabem se portar no trabalho, que eles não têm ideia do começo e do fim do trabalho. Eles não têm compromisso. Eu não vejo eles consumindo os filmes que são produzidos aqui no Brasil, eu não vejo eles aguerridos em criar uma linguagem. E quando eu vejo pessoas que estudaram cinema fora, eles vêm com uma formação e com um embasamento e com uma técnica mais aprofundada. O “cara” lá fora faz som, faz continuidade, faz produção, faz claquete ... então, quando ele volta ao Brasil, ele entende que o cinema envolve uma rede imensa de funções, que não se resumem apenas em diretor, roteirista e ator. Existe uma gama de funções! Você vê poucas pessoas saindo da faculdade querendo ser diretor de arte, roteirista, querendo ser continuístas, querendo fazer som. Como se isso fossem funções menores do cinema. E, na verdade, o cinema é um mosaico composto de vários elementos. Não existe um mais importante. Claro que é uma orquestra, que precisa de um maestro, de uma partitura mas, não existe só o maestro e a partitura. Cada instrumento da orquestra tem a sua função indispensável .

O.H.: Então, falta isso nas universidades brasileiras, no professor, no aluno?

Natara: Sim. Falta o aluno entrar na faculdade sabendo o que ele quer da faculdade. Por isso que, por exemplo, nos Estados Unidos, você entra na faculdade e você tem um ano fazendo diversas cadeiras aí, depois desse tempo, você escolhe as que mais combinam com você. Aqui não, antes de você fazer o vestibular, com dezesseis anos de idade – quando você não sabe nem o que quer da vida – você tem que escolher a sua carreira! Você entra na faculdade e fala: “eu vou fazer cinema”. Eu digo: “ Sim. Mas por que cinema? Para quê cinema?” Tem que saber se aquela é a sua vocação legítima.

O.H.: E você sabe se as universidades aqui do Brasil possuem muitos convênios com escolas de cinema estrangeiras?

Natara: Não sei, não pesquisei muito sobre isso. Um exemplo recente é que eu fui ao cineclube da PUC aqui do Rio e eu pensei: “Pó, as pessoas pagam R$1.000,00 para estarem nesta faculdade e o cineclube é isso!?”.

“Agora, eu acho também que existe o verdadeiro talento. Não adianta eu te contratar para ser o cantor da minha ópera se você não canta porra nenhuma”.

O.H.: Pouca estrutura física?

Natara: Pouca estrutura física. Exatamente. Acho que, quando o estudante chega decidido a fazer cinema, ele deveria ter uma orientação sobre o que é fazer cinema. Porque é uma área que cabem diversas outras áreas. Desde figurino até pesquisador, é um espaço imenso, e eu acho que, às vezes, as pessoas entram na faculdade sem serem orientadas sobre as possibilidades que elas têm lá dentro.


O.H.: E sobre o famoso “Quem Indica”? Sobre a famosa “panelinha” nas profissões. O pessoal costuma dizer que na área da comunicação isso é mais forte. Você concorda com isso, acha que o “Q.I “ inviabiliza caminhos?

Natara: Cara, eu acho que – em todo lugar – as conexões que você tem te ajudam. Isso é óbvio! Em todo lugar e em todo mundo tem isso, desde que o mundo é mundo. Agora, eu acho também que existe o verdadeiro talento. Não adianta eu te contratar para ser o cantor da minha ópera se você não canta porra nenhuma. Uma hora a verdade vem à tona. Mas todo mundo se utiliza dessa rede de conexão. É besteira pensar que alguém não se utiliza disso. Porque eu não vou ligar para a pessoa me conseguir um trabalho se eu conheço essa pessoa? E ela vai me dar esse trabalho se eu tiver competência para fazer. Eu tenho aqui vários estagiários, amigos de amigos, ou minhas afilhadas que foram minhas estagiárias.

O.H.: É aquele estágio camaradagem ou estágio regulamentado?

Natara: É estágio sério. Eu aprendo muito com as pessoas que vêm estagiar aqui e espero ensinar um pouco para elas também. Acho que ensino mais sobre compromisso do que exatamente sobre edição, O “quem indique” tem e vai ter sempre. É horrível! Mas, ao mesmo tempo, eu acho que se a pessoa não tem a vocação, não adianta. O legítimo prevalece acima de todas as coisas.


O.H.: Uma influência marcante?

Natara: Quando eu vim para cá, eu estava querendo trabalhar com cinema, com documentário. E em Recife, não tinha espaço profissional. Um filme era feito de quando em quando. Eu precisava, se eu quisesse desenvolver nessa carreira, até melhorar meu trabalho como editora, sair de Recife. Então, eu vim para o Rio de Janeiro. Então, Mair Tavarez, que é um montador brasileiro, tinha um projeto aqui no Rio, junto com o Walter Clarck, que era a Multirio. Aí eu vim, mas esse projeto não rolou para mim. Mesmo assim, fiquei aqui sem conhecer ninguém, fiquei uns dois ou três anos dormindo em quarto de empregada, ou no sofá da casa de um, de outro. Enfim, foram anos bem complicados. Aí, eu arranjei um estágio numa produtora aqui no Rio.

O.H.: E como foi?

Natara: Eu fazia o que ninguém queria, nos piores horários. A edição ainda era linear. Então meu trabalho consistia básicamente em preparar o material para o editor montar no dia seguinte. Eu pegava as diversas fitas, assistia, decupava e deixava anotado para o editor onde é que estava tal e tal plano. E isso é claro que me deu um aprendizado incrível, eu fui conhecendo várias produtoras, conhecendo novas equipes. E eu fiz muita assistência. Eu acho que é uma excelente oportunidade para todo mundo que está começando fazer assistência. Assistência de tudo.

O.H.: Por quê?

Natara: Eu fiz muita assistência de montagem, e você está ali vendo alguém resolvendo problemas e aí você aprende com aquela pessoa. E como eu fiz assistência para várias pessoas, eu tive vários mestres! Pessoas geniais!

“... de todas as profissões do cinema, a única que é original do cinema é o montador”.

O.H.: Quem?

Natara: (Risos) Ah, de todas as pessoas com quem trabalhei, adoro o João Paulo Carvalho, adoro a Jordana Berg, adoro a Vânia Debs. Mas assim, o Mair, é o cara que eu tenho mais admiração como profissional e como ser humano. Acho que ele é genial! Porque ele tem uma generosidade, uma inteligência, um jeito de pensar o filme que é brilhante. É quase como se ele visse...ele vê aquele filme como ninguém viu ainda. Ele vê a escultura dentro da pedra. É incrível você vê ele tirando os excessos.

O.H.: Ele tem o corte certo, né?

Natara: Não é só corte, é a estrutura. Porque montagem é estrutura. Entendeu? Não adianta eu ter várias seqüências lindamente montadas se elas não fazem um link entre si. Se elas não contam a história. Então, montagem é mais estrutura. Às vezes, a sequência nem te convence tanto, mas a estrutura interna foi tão bem narrada que o conjunto é que te leva. Montagem também é respiração. Se o cara não sabe respirar, ele não sabe montar.

O.H.: Você tem algum exemplo de filme que lhe impactou?

Natara: Eu acabo vendo mais séries no momento. (Risos). Tem filmes que podem ter três horas e meia, mas que te levam sem você nem perceber. E tem filmes que tem uma hora e que em quinze minutos você quer levantar do sofá.

“A Máquina”, é um filme em que a gente, eu e João Falcão estudamos muito a linguagem que usaríamos. Por várias razões, era uma adaptação de teatro, João adaptou o livro da Adriana Falcão e depois eles adaptaram para cinema. Este filme é um exemplo do exercício de montagem, porque o filme brinca com tudo. Tem horas que é um videoclipe, tem horas que é um romance, tem horas que é aventura. É um exercício de montagem.






O.H.: É nova esta nomenclatura do montador de cinema?

Natara: Acaba sendo novo o nome, mas de todas as profissões do cinema, a única que é original do cinema é o montador. O diretor de arte, por exemplo, já existia no teatro. Mas, montagem é inerente ao cinema, ela nasceu com o cinema.

O.H.: Há muita produção bibliográfica sobre este assunto? Qual livro você indicaria?

Natara: Eu li poucos livros sobre montagem, li o Esculpindo o tempo do Andrei Tarkovsk e tem um livro que eu amo que se chama “Num piscar de olhos”, do Walter Murch.
“Então, eu gosto de um cinema que me tire do lugar de conforto. Mesmo que seja um filme de ação ou um blockbuster”.


O.H.: Qual escola de cinema que você daria como dica para a pessoa estudar cinema, se aprofundar mais?

Natara: Cara, eu agora, por exemplo, estou com muita vontade de fazer um curso na Darcy Ribeiro porque o Ruy Guerra está lá. E o Ruy Guerra é uma dessas pessoas do fazer cinema que me encanta muito. Pessoas que me encantam no cinema: Ruy, Lírio, Mair, Paulo Caldas, Rosane, Gustavo Hadba; porque eu vejo que são pessoas comprometidas com o cinema que eu gosto.

O.H.: Qual é o que você gosta?

Natara: Eu gosto do cinema que me arrebata, que sai do conformismo. Mesmo que seja uma história de amor. Amor é o tema mais caro para mim. Mas que se conte essa história de amor com forma e conteúdo.

O.H.: A gente pode voltar no filme “A Máquina”. É uma história de amor com muita forma e conteúdo.

Natara: Exatamente. Ali, o João encontrou um jeito de contar uma história de amor. Esse cinema que o João (Falcão) fez me encanta muito. Então, eu gosto de um cinema que me tire do lugar de conforto. Mesmo que seja um filme de ação ou um blockbuster.

O.H.: Você é contra blockbuster?

Natara: Eu não sou contra nada. Eu sou contra um filme ruim. E um filme ruim independe da verba que ele tem. Dez mil ou dez milhões. Por exemplo, eu adoro faroeste! Adoro! Mas, tem faroestes péssimos e outros, maravilhosos.

O.H.: Você chegou a ver o filme do Daniel Ribeiro chamado “Café com Leite” ou aquele “ Eu não quero voltar sozinho”?

Natara: Ah, eu vi agora o “Eu não quero voltar sozinho” em Guadalajara e adorei o meu filme também a personagem é cega.



O.H.: Seu atual trabalho qual é?

Natara: Eu fiz um curta-metragem chamado “Um outro ensaio”. Ganhamos no Festival do Rio como melhor curta. Não posso deixar de lembrar de um trabalho que fiz que me marcou muito, o documentário “O Mistério do Samba”. Aprendi muito com a Velha Guarda da Portela. E também quero lembrar a Monique Gardenberg. É um prazer trabalhar com ela! Monique escuta de um tudo, desde a banda inglesa que toca em garagem e nunca ninguém ouviu até uma banda que está fazendo sucesso no Uruguai! (Risos). As referências de Monique são excelentes. Ela sempre me manda músicas maravilhosas e que me deixam na dúvida para escolher qual será usada. Acho que eu fico parceira dos meus diretores aprendo muito com eles, Rosane Svartman por exemplo virou irmã, pensamos muito parecido.

O.H.: E o que significa Arrudeia, o nome que batiza a sua produtora?

Natara: Arrudeia é um termo de Recife. Arrudear é dar a volta. Quando tem um obstáculo no caminho, a gente dá a volta. Arrudeia e pronto. (Risos).

OBS: A foto 1 desta matéria foi encontrada no seguinte link: http://www.google.com.br/imgres?imgurl=https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiPM27udyNDLoq2KO_q2D2YaCNXGCA0z-cTDdmSgdj2oyAFCHD7qFQXaM5eBzVAh5lU6qDjLoypFfH8CiuJTn7ZF02dIJvr8T9RRrK5LJ3xsXm4zLGUhRd2NXNuNnDOsc91k-c4wGXxiGOI/s1600/Andre+Maceira+-+ODEON+05out+Curta+-metragem+voto+popular+-+005+(Natara%2BNey,%2Bdiretora%2Bde%2BUm%2BOutro%2BEnsaio).jpg&imgrefurl=http://cinemaemsintonia.blogspot.com/2010_10_01_archive.html&usg=__6PTSLUqsDKHOa_UT5Xxj73wZPqc=&h=1065&w=1600&sz=116&hl=pt-BR&start=4&sig2=aYSMz1tOV_EKOkST7SXHSw&zoom=1&um=1&itbs=1&tbnid=fndkPwZkc7FunM:&tbnh=100&tbnw=150&prev=/search%3Fq%3Dnatara%2Bney%26um%3D1%26hl%3Dpt-BR%26sa%3DN%26rlz%3D1R2ADFA_pt-BRBR392%26biw%3D1259%26bih%3D551%26tbm%3Disch&ei=tCSzTf_5I8K10QHq_pD1CA

2 comentários:

  1. Pedro, continue com esse projeto porque está muito bom.
    Parabéns!

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  2. Obrigado, Madiano! Receber mensagens assim é que movem o projeto!

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