quinta-feira, 11 de julho de 2013

NELSON MANDELA: “ÚNICA RAÇA HUMANA”







Por Pedro Paulo Rosa
Foto: Blog África 81 / Arquivo pessoal da entrevistada 


Diante das constantes notícias da iminência de morte de Nelson Mandela, o blog O HÉLIO decidiu realizar uma entrevista especial falando sobre as questões que envolvem este personagem (ainda) vivo da História da África e também muito presente na mentalidade da sociedade ocidental como símbolo de pacifista, principalmente a partir da década de 90 do século XX. Para elucidar Mandela e seu legado, convidamos a Professora Andrea Marzano, doutora em História Social pela UFF (Universidade Federal Fluminense) e, atualmente, professora de História da África da UNIRIO (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro). A pesquisadora nos conta que a sua ligação com o continente africano se dá desde a infância. Durante a conversa, acabamos entrando em discussões internas do Brasil, como, por exemplo, a Lei 10.639. Confira.

       
O HÉLIO: Atualmente, lida com quais vertentes da História? De que maneira seu interesse pela África cresceu?

ANDREA MARZANO: Sou professora de História da África e desenvolvo pesquisa sobre a cidade de Luanda, em Angola, entre o final do século XIX e as três primeiras décadas do século XX. Meu principal objetivo é abordar, através da análise de jornais, relatos de viajantes e fontes literárias, as alianças e conflitos inerentes à intensificação da presença colonial.  Meu interesse pela África vem da infância, por motivos familiares. Meu pai morou e trabalhou em Moçambique como cooperante, após a independência. Como meus pais eram separados, ele foi para lá e permanecemos, eu e meu irmão, com nossa mãe no Brasil. Como a maioria das crianças de classe média daquela época, ficava fascinada com o fato de ter um pai vivendo na África. Ele precisou de muitos argumentos para me convencer de que não existiam leões, crocodilos e girafas no centro de Maputo, capital de Moçambique! Fui para Moçambique pela primeira vez no início dos anos 1980. Uma criança branca de classe média, que vivia na zona sul do Rio de Janeiro, convivia com poucos negros nos ambientes em que circulava, excetuando-se, é claro, aqueles que estavam em situação de trabalho. Por conta disso, já no embarque, no Galeão, tive uma amostra da rica experiência que teria a seguir, como parte de uma minoria branca convivendo com negros nas mais diversas situações. E assistindo, ao mesmo tempo, o início da construção de um país.

Já historiadora, trabalhando na Universidade Candido Mendes, tive contato com pesquisadores do Centro de Estudos Afro-Asiáticos, que despertaram novamente meu interesse pela África. Lá, conheci meu marido, professor e pesquisador de História da África, que me estimulou a iniciar uma pesquisa na área. Hoje minha atividade profissional – de pesquisa e ensino – é completamente dedicada à História da África.


O HÉLIO: Desde quando o Mandela desperta a sua atenção? Em que momento, na sua vida estudantil, este personagem lhe ocorreu?

ANDREA: Minhas primeiras referências sobre o apartheid remontam à infância. Como disse, meu pai morava em Moçambique, que faz fronteira com a África do Sul. Moçambique foi uma colônia portuguesa que se tornou independente em 1975, quando a Frelimo, de orientação socialista, assumiu o poder. Logo após a independência, iniciou-se no país uma guerra civil opondo o governo às forças da Renamo, criada na Rodésia, atual Zimbábue, que possuía um regime de minoria branca. Posteriormente, a Renamo obteve apoio da África do Sul do apartheid.
Estive em Moçambique, portanto, durante a guerra civil, e lá ouvi as primeiras informações sobre o regime sul-africano. Só conheci a África do Sul em 2005, mas meu avô visitou o país por volta de 1980 e voltou com relatos impressionantes sobre a segregação racial no país. Era uma criança muito interessada por histórias de viagens, e ouvi aquilo tudo com muita atenção. Mas não me lembro se ouvi falar de Mandela já naquela época, ou só mais tarde.

O HÉLIO: Considerando que as ações de Mandela influenciaram todo o mundo moderno e ressignificaram a relação entre a África e os demais países, explique um pouco de Mandela e o seu legado tanto para seus conterrâneos quanto para o mundo ocidental. Quero tentar, com essa provocação, que a gente tente esboçar em resposta para a dimensão transformadora que as atuações dele implicaram. Que atuações foram essas? Ele fora "traído", "travado" ou "apoiado" por alguém? Por instituições? Quem? Quais? 

ANDREA: Mandela nasceu em uma aldeia, obteve instrução básica em instituições metodistas e partiu cedo para Johanesburgo, onde se formou em Direito e se tornou militante do Congresso Nacional Africano, que havia sido fundado em 1912 por uma elite negra ocidentalizada, para lutar contra o avanço da legislação segregacionista. A África do Sul, inicialmente chamada de União Sul-Africana, era um país independente, governado por uma minoria branca, desde 1910. Uma parte de seu território era governada por britânicos, enquanto outra era administrada, com relativa autonomia, por bôers. Os bôers eram descendentes de franceses, alemães e sobretudo holandeses, presentes na região desde o século XVII, que falavam uma língua própria: o africânder.
Foi como militante do Congresso Nacional Africano que Mandela assistiu a ascensão do apartheid, institucionalizado em 1948 com a subida ao poder do Partido Nacional, liderado por bôers. No início dos anos 1950, Mandela tornou-se vice-presidente do Congresso Nacional Africano. Essa época foi marcada pela expropriação de terras dos negros e pelo avanço da segregação espacial. Mandela liderou a resistência a esse processo, sofrendo prisões e perseguição. No entanto, seguindo a concepção de resistência pacífica que marcava o CNA desde a sua fundação, condenava as ações violentas como forma de atuação política. No início da década de 1960, a truculência do regime fez com que o CNA abandonasse, sob a liderança de Mandela, o princípio da não-violência. Vivendo na clandestinidade, Mandela organizou o braço armado do CNA e a formação de guerrilheiros que lutariam contra o regime do apartheid. Em 1962, após uma viagem clandestina por várias partes do continente, foi preso e condenado a seis anos de prisão. Dois anos depois, após novas acusações, foi sentenciado à prisão perpétua. Em meados da década de 1980, ainda na prisão, contrariando muitos de seus correligionários do CNA, Mandela iniciou o processo de negociação com as autoridades, tendo em vista o fim do apartheid. Em um momento de crescente pressão internacional contra o regime vigente na África do Sul, Mandela foi extremamente hábil na decisão de negociar com o governo, representado inicialmente pelo Ministro da Justiça e, depois, pelo próprio presidente Pieter Botha. Como resultado da pressão externa e interna, Mandela foi solto em 1990, tornando-se, no ano seguinte, presidente do CNA. Em 1992, um referendo entre os brancos aprovou a realização de reformas no regime e a formação de uma futura constituinte. No processo de transição, liderado por Mandela e pelo presidente De Klerk, Mandela foi criticado tanto por partidários do apartheid quanto por militantes do CNA, que rejeitavam a estratégia de negociação com o governo. Um deles era Cris Hani, líder do braço armado do CNA. O assassinato de Hani por um homem branco ameaçou o processo de transição, por acirrar o ódio racial. Mandela teve grande importância nesse momento, pronunciando-se publicamente e pedindo calma à população negra. O governo de Nelson Mandela, entre 1994 e 1999, foi marcado pelo esforço de conciliação de todo o povo sul-africano. Mandela investiu maciçamente na ideia da convivência entre brancos e negros, recusando o revanchismo contra os que haviam sido, durante décadas, beneficiários do apartheid. Seu governo não foi a mera substituição dos brancos pelos negros no poder. Foi, acima de tudo, a tentativa de construção de uma África do Sul multirracial. Aí reside, sem dúvida nenhuma, a grande dimensão transformadora de sua passagem pela presidência.  O governo Mandela, no entanto, foi criticado por alguns de seus velhos aliados do CNA. Uma das principais acusações foi a do desinteresse pela distribuição de renda na África do Sul. Para os críticos mais ferozes, o governo Mandela favoreceu o enriquecimento dos brancos, mantendo os negros, através da pobreza, em posição de subalternidade.

Profª Drª Andrea Marzano

 O HÉLIO: É difícil, para os historiadores e para o grande público, não "endeusarem" Mandela? 

ANDREA: É difícil não reconhecer a grandeza de um homem que passou quase trinta anos na prisão e que, ainda assim, foi capaz de superar seus próprios rancores em nome de um projeto político para a África do Sul. No entanto, os historiadores têm a obrigação profissional de evitar o “endeusamento” de Mandela como personagem histórico, reconhecendo seu legado, mas, ao mesmo tempo, suas hesitações, incertezas e limitações. Além disso, não devemos avaliar toda a sua trajetória a partir das atitudes que tomou na década de 1990. Embora sua ação política, ao longo da vida, tenha sido coerente no que diz respeito à luta contra o apartheid, suas ações e seu discurso variaram ao longo do tempo, respondendo aos desafios de cada momento histórico. Nenhuma trajetória de vida, nem mesmo a de um homem extraordinário como Nelson Mandela, é inteiramente coerente e isenta de contradições.


O HÉLIO: Qual África queria Mandela?
ANDREA: O Mandela dos anos 1990 queria uma África do Sul multirracial, onde os ódios fossem superados e negros, brancos, mestiços e indianos construíssem, juntos, uma nova nação.
O HÉLIO: O que é o apartheid contra o qual Nelson tanto lutou? Como enxerga a inserção da população negra / africana nas sociedades ocidentais hoje? 

ANDREA: O apartheid foi um regime de segregação racial, dominado por uma minoria branca, que teve lugar na África do Sul entre 1948 e 1994. Foi liderado pelos bôers ou africânders, reunidos no Partido Nacional. No apartheid, a discriminação racial era legitimada por leis que determinavam a segregação espacial e serviços diferenciados – de saúde, educação, entre outros – para negros e brancos. Envolveu expropriação de terras dos negros e, na década de 1970, a criação de bantustões ou “pátrias tribais autônomas”. Pode-se dizer que a institucionalização da segregação racial, através do apartheid, foi a expressão máxima, radical, da exploração dos negros pela minoria branca da África do Sul.
Hoje, em muitas sociedades ocidentais, as populações negras enfrentam a existência avassaladora do racismo, embora não institucionalizado como na África do Sul do apartheid. Isso é válido, por exemplo, para o Brasil. No entanto, medidas vêm sendo tomadas, em diversos países, para impedir, senão o racismo, ao menos as manifestações abertas de discriminação racial.  A criminalização dos atos de discriminação racial é um passo muito importante nesse sentido. Mas precisamos avançar muito na construção de sociedades mais justas, em que as oportunidades sejam iguais e em que negros e brancos sejam, de fato, encarados como pertencentes a uma única raça humana.

O HÉLIO: Como interpreta a escolha brasileira para ensinar a História, que, a partir do século XIX, optou pela ótica do dominador? De que maneira a relativização e a obrigatoriedade do ensino de História da África nas universidades brasileiras somam para o ensino da História no país? 
ANDREA: É possível dizer que o ensino de História no Brasil, no século XIX, assumiu a ótica do dominador. Mas é difícil fazer essa generalização para o século XX e para o início do século XXI. Desde as últimas décadas do século XX, alguns livros didáticos, sob inspiração marxista, contam a história do Brasil evidenciando o aspecto da “luta de classes”. Hoje, bons livros didáticos e dedicados professores levam, para as salas de aula, a perspectiva da “história vista de baixo”.  O que não significa, evidentemente, que a ótica do dominador esteja ausente nas escolas brasileiras.
O currículo dos cursos de Graduação em História foi marcado, por muito tempo, por uma perspectiva eurocêntrica. Os estudos se limitavam basicamente à História da Europa e à História do Brasil. Hoje, em parte por influência do relativismo cultural, entendemos que todos os povos têm histórias dignas de serem estudadas.
No caso específico da História da África, a inclusão nos currículos de Graduação foi motivada pela demanda resultante da lei 10.639, de janeiro de 2003, que estipulou a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nos currículos de Educação Básica. A aprovação da lei 10.639 foi resultado da pressão dos movimentos sociais, particularmente dos movimentos negros, que buscavam, por esse caminho, a elevação da auto-estima das populações afro-descendentes, além de mais um instrumento de combate à discriminação racial presente na sociedade brasileira.
Esses argumentos já são suficientemente fortes para justificar o estudo da História da África nas escolas e universidades. Mas, para além disso tudo, gostaria de lembrar que, como dizia Marc Bloch, “o historiador é como o ogro da lenda; onde fareja carne humana, sabe que ali está a sua caça”. Os historiadores estudam a vida do homem em sociedade, no tempo. E os africanos não são menos homens, ou possuem histórias menos importantes, do que os habitantes de outros continentes.

O HÉLIO: Para você, a universidade brasileira ainda ocupa um lugar de exclusão? Ou, nunca ocupou?

ANDREA: Por muito tempo, a universidade brasileira ocupou um lugar de exclusão, sendo voltada exclusivamente para a formação de uma elite. O que não significa, evidentemente, que indivíduos dotados de sorte e muito esforço não tenham “driblado seu próprio destino”, chegando à universidade e aproveitando o curso universitário como trampolim para a ascensão profissional e social. Hoje, é possível perceber um esforço de democratização do ensino universitário, que se reflete na ampliação de vagas nas universidades públicas e na concessão de bolsas de estudo nas universidades privadas. Outro passo importante será a criação de condições para que os bacharéis possam, de fato, ser absorvidos pelo mercado de trabalho, em posições condizentes com a formação obtida. O que envolve, necessariamente, maior investimento na qualidade dos cursos e, sobretudo, nos alunos, no sentido de ajudá-los a superar deficiências que, infelizmente, são trazidas desde a Educação Básica. Seria redundante dizer que o investimento na universidade não faz muito sentido se não for acompanhado de um trabalho sistemático pela melhoria da Educação Básica, sobretudo, mas não apenas, na rede pública de ensino.

O HÉLIO: Qual biografia sobre ele que você mais indicaria, Andrea?
ANDREA: Para começar, indicaria sua auto-biografia: MANDELA, Nelson. Um longo caminho para a liberdade. Lisboa: Editorial Planeta, 2012.
O HÉLIO: Dá pra resumir  Nelson Mandela em uma sensação ou palavra?

ANDREA: Mandela será lembrado pela defesa da superação do ódio racial e da conciliação de todos os sul-africanos. A bandeira sul-africana, unindo as cores do CNA às do regime de minoria branca, simboliza o seu legado como negociador da transição e como primeiro presidente negro da África do Sul. 

quinta-feira, 20 de junho de 2013

LEGIÃO DO DRAMA


Por Pedro Paulo Rosa
Foto: Rosendo Martínez 

Agora, meus olhos ardem menos. Depois de cerca de uma hora e meia que consegui chegar na casa de amigos. Agora, desde que entramos, sentamos e ficamos por um tempo num barulho ensurdecedor dentro de nós mesmos, o fígado parou de doer, a garganta voltou a estar úmida.

Mas, nada está normal. A foto que ilustra essa pequena matéria, uma ínfima contribuição, um ínfimo suspiro passado por meio de letras e imagens, o que se busca, creio, é a força que esse pisca-pisca verde do modem virtual acaba nos dando nesse século XXI. Estamos no inicio de sua segunda década tentando nadar numa ideia de progresso, de crescimento e de normalização e uniformização da moral brasileira que, há muito, não via. A sensação de ineditismo, a sensação de singularidade, de estar num momento VIVO da história brasileira é quase involuntária de se sentir. Ainda que me xinguem de leigo, infantil ou outros elogios. No entanto, é necessário que a gente repense verdadeiramente os “valores” que incentivam a constituição da identidade que pensamos ter, o senso de liberdade e de felicidade que achamos ter. A cidadania (ou, seria “estadania”?) que tanto dissemos ter possui quais muros? Limites?

O corpo todo é incerteza, é mescla de saúde e doença; de realidade e de fantasia. Uma caveira que sangra e sorri, buscando uma maneira de sentir-se livre. Os dentes dela fazem a forma da palavra que traz o nome desse país. Temos tantas auto-legendas (“o povo brasileiro é festeiro, beijoqueiro, barraqueiro, baderneiro, babaca, baloeiro...um povo misturado”) Onde está o corpo? Na incerteza, no medo, na mistura, no esvaziado.

Agora, meus olhos ardem mais.

O que traz essa foto? Uma cidade. Tentando ser. Mem de Sá, rua da tranquilidade, dos turistas, dos cariocas familiares, da boemia ideal. Onde o suor fica calmo com a cerveja gelada. O que é isso? Um assassinato da dignidade dos trabalhadores e estudantes da cidade do Rio de Janeiro. Como estudante, como um ser que nasceu e tenta ser, voltei para o sentimento do drama. Da legião do drama.

A Caveira sorri com o desespero da farda. Recorro à utopia, à poesia para refrescar o meu nariz, alargar o meu fígado e abrir mais os meus olhos.

Alguns versos de Mauro Iasi:
Quando os trabalhadores perderem a paciência / Não terá governo nem direito sem justiça / Nem juízes, nem doutores em sapiência / Nem padres, nem excelências / Uma fruta será fruta, sem valor e sem troca / Sem que o humano se oculte na aparência / A necessidade e o desejo serão o termo de equivalência / Quando os trabalhadores perderem a paciência / Quando os trabalhadores perderem a paciência / Depois de dez anos sem uso, por pira obsolescência / A filósofa-faxineira passando pelo palácio dirá: “declaro vaga a presidência”!
A filósofa-faxineira passando pelo palácio dirá:
“declaro vaga a presidência”!

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

ALEX DUARTE: CINEMA É ONDE HÁ VIDAS, VONTADES E HISTÓRIAS




Por Pedro Paulo Rosa 
Foto: arquivo pessoal do entrevistado 

      O jovem publicitário apaixonado por cinema, Alex Duarte, conversa com O HÉLIO sobre as diversas possibilidades que ele encontrou de aliar esses caminhos. Coleciona prêmios regionais e de maior porte, como o Festival de Gramado de 2009. É uma riqueza de aprendizado lê-lo. Dentre os desafios que enfrentou, o jovem gaúcho conta como foi gravar um documentário em solo haitiano três meses antes do terremoto que assolou ainda mais o país. 

O HÉLIO: Qual a força que te move para empreender tantas multiplicidades de atuação social no cinema?
ALEX DUARTE: Fazer a diferença. Acho que estas multiplicidades nem são tantas, apenas tento imprimir nas minhas produções o que as pessoas acabam não vendo, por falta de tempo ou sensibilidade. Hoje a sociedade caminha depressa demais, mas tem muita gente fazendo a diferença, tem muita coisa bacana acontecendo. E o audiovisual possibilita isso. Minha pretensão nunca foi querer “mudar o mundo” com os meus filmes. O importante sempre foi questionar e provocar a reflexão. Se o mundo não se faz de acordo com as nossas necessidades, é preciso cobrar, é preciso reivindicar e ir atrás dos nossos direitos, independente da profissão que escolhermos. 

O Hélio: Como se caracterizaria enquanto profissional da sétima arte? Falo com relação à marca construída e o que mais você entender como singularidade.
ALEX: Não me considero um profissional de cinema.  Minha formação é em publicidade, mas na verdade sou um apaixonado por cinema, e que comecei meio que de forma autodidata, fiz meu "primeiro longa em VHS" aos 16 anos e sem nenhum conhecimento técnico. Com 300 pila no bolso e um cinegrafista de uma pequena produtora (destas que filmam festas de aniversário), fizemos o filme acontecer. Jamais irei esquecer a imensa fila no dia do lançamento em 2002, que dobrava duas quadras da Praça Matriz de São Luiz Gonzaga. Jamais vou esquecer também das críticas após a exibição. Eram mais críticas do que elogios. Eles falavam que nos meus filmes os "mortos se mexiam", "a iluminação estava escura" ou "que a história era um pouco confusa". Foi aí que descobri a dura realidade que acabara de me lançar. Eu tinha apenas 16 anos e estava descobrindo o cinema, a paixão pelo cinema. A diferença é que eu não tinha professor, não tinha uma escola, não sabia as técnicas. Estava no interior do Rio Grande do Sul, sem condições financeiras e mesmo assim não desisti. Acho que minha singularidade é essa. Fui atrás do que eu queria. Eu fiz da dificuldade uma aliada para buscar meus objetivos, e ainda corro atrás deles. Acho que está dando certo.

O Hélio: Me fala como avalia de que maneira o mercado de audiovisual do Brasil. Onde percebeu avanços e retrocessos? Quais os principais desafios/obstáculos?
ALEX: O mercado audiovisual nacional tem caminhado positivamente. Dá pra sentir no apelo popular. A receptividade do público quanto ao cinema nacional tem sido fundamental. Quando você tem este feedback do público no lugar onde você vive é evidente que irá repercutir em outros países. É óbvio que não temos uma estrutura de indústria que, em comparação, transforme parte de nossa produção em "independente". Mas para isso, os festivais e mostras são uma vitrine importante, para que boa parte do público tenha acesso a esses filmes. Embora falhas, (como espaço maior para os medalhões do cinema), as leis de incentivo conseguiram ressuscitar nossa produção, mantendo-se importantes ainda hoje. Aliás, mais do que importantes, elas permanecem essenciais ao nosso cinema.
Se tratando daquele cinema ainda mais independente, sem ajuda de editais, o audiovisual tem vida, novos talentos estão surgindo. Os equipamentos foram barateados e isso ajuda a produção de filmes. Hoje dá para fazer edição num laptop. Com 20 mil reais dá para fazer um filme. Não tem mais desculpa, só é preciso trabalhar. Acho que quem quer trabalhar com cinema precisa trabalhar no real, onde há vida, vontades e histórias.

O Hélio: Conte um pouco sobre a sua trajetória pelas artes.
ALEX: Comecei aos 16 quando realizei meu primeiro longa em VHS “O Quinteto”. Aos 17, realizei a sequência do filme intitulada “Jovens em Pânico”. No ano seguinte, ingressei na universidade UNIJUI, onde me formei em  “Publicidade e Propaganda” pela UNIJUI.  Nesta época trabalhei como repórter do Jornal A NOTÍCIA , um tradicional meio de comunicação do interior do Rio Grande do Sul. Também fui instrutor do curso de cinema pelo Ponto de Cultura ACI- Ação Cultural Integrada (projeto de iniciativa do Ministério da Cultura). Em 2008, trabalhei como monitor do Projeto Geração Futura, no Canal Futura (RJ). Até agora, realizei cerca de 20 produções, entre curtas, longas, videoclipes e documentários. Um deles, “ONG- Unidos para o Amanhã”, venceu a 17ª edição do Gramado Cine Vídeo em 2009, como melhor vídeo universitário Gaúcho, eleito pelo voto Popular. Outras produções, “A hora da Estrela”, “10 segundos na TV”, “SOS” e “O Caso Sócrates” foram selecionados em festivais de audiovisual, como os de Vitória/ES, Fortaleza/CE e Gramado/RS. Meu último trabalho, foi a realização do documentário “Haiti- A Missão de Nossas Vidas”, que venceu em 2010, a 18ª edição do Festival Gramado Cine Vídeo, com dois troféus: Melhor Documentário Universitário Brasileiro e Melhor de todas as categorias. Atualmente, sou diretor de programação da Tv Ijuí, uma tv pública da região noroeste do Estado.
                                                                                  
O Hélio: Nasceu no Rio Grande do Sul, correto? De que maneira seu ambiente influencia no teu processo criativo?
ALEX: Tenho orgulho da minha terra. Antes de gaúcho, sou são-luizense. Nasci em São Luiz Gonzaga, uma cidade que respira música missioneira, poesia e que se orgulha das suas tradições. Tudo isso é inspirador e ajuda no processo criativo. Minha mãe me ensinou a valorizar antes de qualquer coisa, o que é simples.  Ela costuma dizer: antes de tudo olhe para o valor da simplicidade. Aqui neste cenário, temos bons exemplos de cineastas, como Giba Assis Brasil e Jorge Furtado, que ousam na linguagem, que experimentam técnicas simples, que fogem do corriqueiro e nos oferecem bons filmes.

O Hélio: Soube que fez um belo trabalho documental em território haitiano. Conte-nos dessa experiência.
ALEX: Foi um projeto muito louco e audacioso. Eu estava na faculdade e queria conhecer de perto o trabalho dos militares no Haiti. Só que nenhuma universidade brasileira até então tinha conseguido entrar na missão para acompanhá-la, pois a liberação funciona somente para a imprensa. Foram muitas ligações, projetos enviados e insistência.
 Eu e a colega Monique realizamos um documentário de conclusão de curso, em que abandonamos em diversos momentos a condição de produtores, exercendo plenamente a emoção de ser humano em plena transformação. Tinha momentos que era difícil cumprir o roteiro, porque a gente se emocionava com o que estava sendo filmado. Vivemos essa experiência três meses antes do terremoto. Então nosso documentário não deixa de ser também um registro histórico daquele país e da missão.



O Hélio: De que maneira a experiência pelo Rio de Janeiro te adicionou saberes ou lhe fez refletir por outros caminhos?
ALEX: Sem dúvida, uma das melhores épocas da minha vida. O Canal Futura me trouxe em pouco tempo (três meses) a prática televisiva e paixão pelos projetos sociais. Hoje eu trabalho em uma tv publica do Estado RS, a Tv Ijuí. De certa forma, foi uma influência muito forte, porque tento imprimir aqui as relações de humanismo, as práticas educativas e a responsabilidade social que o Futura adota e realiza. Enquanto isso, não deixo de fazer meus filmes, produções e participar de projetos.
O Rio de Janeiro é a minha segunda casa, porque deixei amigos de profissão e coração, gente que fala a mesma língua, que trabalha com paixão, que canta e dialoga ensinando. Tive grandes professores e sempre vou lembrá-los com orgulho. Fui recebido com tanta verdade e entrega pelos cariocas, que a saudade é grande e só aumenta a cada ano.  

O Hélio: Cinema é, de fato, uma área fechada?
ALEX: De certa forma sim. Infelizmente nem todos os filmes conseguem chegar às salas de cinema. Sem dúvida, elas são a principal forma de difusão dos filmes. Porém, se pensarmos, atualmente consome-se muito mais filmes fora delas. Eu mesmo assisto mais filmes em dvds, no computador e na tv a cabo do que nas salas. As salas cumprem a função de apresentar os filmes à sociedade. É o momento em que o filme recebe mais atenção pela campanha de lançamento e o boca a boca do público. Mas existe uma estrutura muito sólida de geração de receitas nessa estrutura.  Por exemplo, as salas, o dvd para locação, dvd para venda, entre outras formas. É uma estrutura que não se muda com facilidade, por isso talvez a sétima arte continue sendo uma área fechada.

O Hélio: Cromossomo 21 é a sua atual obra artística na sétima arte. Quais as motivações que passaram em você para escrever e dirigir esse longa-metragem?
ALEX: Sabe aquela coisa de dar voz a quem não tem? Pensei que ao colocar o down na condição de protagonista de um filme, conseguiria contar uma história, uma história que ninguém conhece. A personagem da Adriele quer gritar sua independência, quer ter um trabalho, uma família, ela sonha em amar e ter uma vida como todos nós desejamos: ela quer ser feliz. E para se feliz ela precisa ser respeitada. Outra motivação foi mostrar este universo da síndrome de down. Muita gente se assusta com o novo, com o que é diferente. É muito fácil dizer que aceita, que não tem preconceito, mas na prática isso não funciona. A sociedade não sai desta “zona de conforto”, porque para aceitar e incluir é necessário paciência, conhecimento e entrega. Felizmente a sociedade caminha para a mudança e eu acredito muito que cinema contribui neste processo.

Desde de 2009, data em que iniciamos a produção do Cromossomo 21, estamos conseguindo uma repercussão bacana antes mesmo do filme ser lançado. Só que o público que queremos atingir, não são somente os familiares, professores ou quem convive com um down. Queremos chegar exatamente naquela pessoa que jamais conheceu esta realidade. Nossa intenção não é pregar moralidade ou levantar a bandeira de inclusão. O filme traz estes aspectos, mas queremos que as pessoas compareçam ao cinema para assistir uma história de amor e cheia de possibilidades.

O casal protagonista do longa metragem de Alex Duarte, "Cromossomo 21"


O Hélio: Quais são as expectativas para 2013?
ALEX: Mais desafios. No cinema, na televisão, enfim, meu desejo é ter saúde e gás para continuar trabalhar com o que eu gosto, e sentir que estou fazendo a diferença na vida de alguém.  

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

ALICE CAYMMI - HERANÇA QUE MOTIVA



Por Pedro Paulo Rosa
Foto: Divulgação 

Alice Caymmi começa seus passos na música desde cedo, mas é agora que o impulso do palco a chamou. A música, companheira de Alice desde o útero, encheu a moça de beleza. A beleza dos Caymmi. Dorival, seu avô, Danilo, seu pai. 
Alice não tem medo do sobrenome nem da construção musical impecavelmente peculiar de sua família. Pelo contrário, assume com tranquilidade e lucidez essa herança que motiva. A cantora separou um pedaço de seu tempo para conversar com O HÉLIO.  

O HÉLIO: De que maneira  a música foi entrando e se consolidando na sua escolha profissional?
ALICE CAYMMI: A música sempre esteve presente na minha vida. A única coisa que mudou foi a idéia da arte como profissão. Sempre cantei e componho desde menina, mas me considerei artista após a idade adulta.

O Hélio: O que mais te emociona no seu trabalho musical?
ALICE: Eu não me emociono comigo mesma porque o que eu faço eu faço por mim mas para os outros.

O Hélio: Fala mais dele para O HÉLIO
ALICE: Eu lancei o meu primeiro disco há poucos meses e sinto que as consequências dele estão sendo muito boas. Espero que um trabalho autoral possa consolidar a minha personalidade aos olhos do público.

O Hélio: A sua herança musical familiar interfere/interferiu na sua produção musical, ou na maneira pela qual você se apresenta em público?
ALICE: Interferiu das duas formas. Mas, por mais que eles sejam a minha referência de origem eles pouco participam da minha vida prática na arte. Ninguém interveio no meu disco nem nas minhas composições.

O Hélio: Como a música te motiva?
ALICE: Ela é a maneira que eu encontrei de me colocar no mundo. Não imagino viver sem a arte. A minha necessidade de me expressar transcende qualquer prioridade.

O Hélio: Qual canção da família que você mais gosta de interpretar?
ALICE: Sargaço Mar, do meu avô (Dorival Caymmi).

O Hélio: Está procurando alguma marca para o seu trabalho ou acha que já a encontrou?
ALICE: Eu encontrei uma marca para este trabalho "Alice Caymmi". Os outros já são outra historia...

O HÉLIO: A internet é sua parceira? Ajuda a divulgar?
ALICE: Sim, mas não é tudo. Às vezes, o mundo virtual pode enganar a gente. Mas conto com ele quase sempre.

Alice Caymmi e Danilo Caymmi estarão juntos no palco do Teatro Rival Petrobras, na Cinelândia (Centro, Rio de Janeiro), no dia três de janeiro, às 19 h 30.


Alice cantando a música "Sargaço Mar", cuja autoria é de seu avô, Dorival Caymmi
http://youtu.be/Ouu1rwq1lVc